sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Os bezerros e a chuva

Professora e pesquisadora Andrea Roberto Bueno/Foto de Ricardo Osman
ENTREVISTA EXCLUSIVA – Na natureza, como se diz, todas as coisas se relacionam. As plantas, os animais, a chuva e o sol. Algumas relações já estão claras para nós como as flores que surgem na primavera e os animais que mudam de comportamento conforme a luz diária é reduzida no inverno. Muito já se falou sobre o impacto da chuva sobre os animais nos campos, e alguns chegam a dizer que os bichos são capazes de prever temporais. Mas, agora, pela primeira vez, uma professora e pesquisadora brasileira aponta a relação direta entre o clima e o comportamento dos bezerros recém-nascidos, abrindo uma porteira para novas investigações.
            Não se trata mais de papo de naturalistas empolgados ou de esotéricos de plantão. Os filhotes das vacas que nascem nos pastos vão se levantar rapidamente ou lentamente para a primeira mamada de acordo com a precipitação de chuvas no momento, e a temperatura do ambiente. Quanto mais chuva e frio mais o filhote demora para se ergue no pasto. A diferença de tempo pode chegar até 6 horas! Animais frágeis, nos seus primeiros minutos em um mundo desconhecido, regulam suas atitudes e esforços em função da umidade. A natureza é sábia e desta vez sua sabedoria foi flagrada.
           A afirmação é uma das principais conclusões da tese de doutorado “Relações Materno-Filiais e Estresse na Desmama de Bovinos de Corte” da professora e pesquisadora Andrea Roberto Bueno, realizada para a Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias de Jaboticabal, da Universidade Estadual Paulista. O estudo traz contribuições valiosas para o bem-estar de animais de produção.
           “A precipitação pluviométrica aumenta a latência para a primeira tentativa para o bezerro levantar e para iniciar a primeira mamada, portanto maiores cuidados devem ser tomados com os animais nascidos em dias chuvosos”, diz Andrea Roberto Bueno em suas Conclusões. Em entrevista a este blog, a pesquisadora declara que os produtores devem observar o parto no pasto e nos dias mais chuvosos ajudar o bezerro a se levantar se ele apresentar dificuldades. Mamar é fundamental para assegurar a saúde e garantir proteção imunológica por meio do colostro. “O bezerro não tem habilidades para controlar a temperatura do corpo, e nos dias chuvosos ele perde mais calor”, explica a professora. “Ele não se levanta para não se expor à umidade e ao frio.” 
BEM-ESTAR ANIMAL – A professora conseguiu atestar este comportamento (devidamente cronometrado) ao analisar em minúcias a atenção que as vacas dispensam aos bezerros após o nascimento. Ela confrontou dados de sua pesquisa recolhidos em meses distintos do ano e percebeu que havia diferença de tempo nessa atenção materna. “Esse efeito pode ser reflexo das diferenças climáticas entre os diferentes meses”, afirma a autora na tese de doutorado. “Segundo Cromberg (1997), a movimentação do bezerro nas primeiras horas após o parto influenciou o comportamento da vaca em relação ao bezerro. Assim, como nos meses de março e abril a quantidade de chuva é maior do que nos meses de maio e junho, e a PTL (latência para a primeira tentativa para levantar) foi influenciada pela precipitação, é possível que com a maior quantidade de chuva nos meses de março e abril, o bezerro retarde seus primeiros movimentos, o que atrairia menos a atenção da vaca”, diz a professora. Para realizar o estudo, Andrea trabalhou muitas vezes até 12 horas no campo, munida com uma boa capa de chuva.
MUDANÇAS  CLIMÁTICAS – A tese, orientada pelo doutor Maurício Mello de Alencar, é peça fundamental no bem-estar do animal de produção. “Um bom manejo dos bezerros está relacionado ao bem-estar desses animais”, diz Andrea. Além disso, o estudo concluído em 2002, chega em momento oportuno: está na pauta das discussões o aquecimento global e as mudanças drásticas no clima do planeta, que podem interferir no cotidiano de todos nós, nos níveis dos mares e, sabemos agora, na vida dos bezerros também.
         
Foto ilustração/Ricardo Osman
              


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